Carta a Um Amigo Escravo da Luxúria – Pe. Miguel Fuentes

A carta de meu amigo…

Um lugar do mundo, 15 de agosto de 20…

(O texto abaixo é a tradução informal de uma carta endereçada ao Padre argentino Miguel Fuentes e da resposta dada por esse sacerdote)

Estimado Padre e amigo:

Dou-te graças de antemão, não importa se possas me ajudar muito ou pouco.

Ao escrever estas linhas estou chorando, e não é a primeira vez nos últimos anos. Estou desesperado, embora não seja depressivo. Não sei o quê fazer comigo mesmo. Não sei por onde começar mas me decidi a te dizer o que me sucede, embora minha cara caia de tanta vergonha. Li teu livro “La trampa rota” e os casos que tu relatas me ajudaram muito, sobretudo aqueles que são praticantes católicos e padecem o mesmo que eu. São um espelho de minha alma.

Cheguei quase à metade de minha vida; estou casado com uma grande mulher; tenho uma profissão e me destaco nela; sou admirado e querido por muitos; alguns me consideram uma pessoa de sucesso e talvez até me invejem.

Mas sou um escravo. Somente eu sei disso. É minha outra vida. Minha vida dupla.

Para ser o mais breve possível, devo dizer-te que me masturbo desde muito jovem. Também na adolescência me iniciei na pornografia; lamentavelmente meu pai teve parte de culpa, porque por acaso descobri algumas revistas que ele guardava e comecei às escondidas a alimentar-me com elas em meus momentos de ócio, fazendo-as ocasião de meus pecados solitários. Minha comunicação com ele, por outro lado, quase não existiu; jamais ele saiu de casa, o que lhe agradeço infinitamente, mas estava ali apenas como móvel a mais. Na mesa somente se falava de problemas econômicos, se contavam fofocas, se criticavam os outros…e se via televisão. E depois de comer se via televisão. E quando não sabíamos como preencher o tempo, se via televisão. O “chefe de família”, em minha casa, foi sempre a televisão, “pai e mãe”, meu e de meus irmãos.

Também fui um namorador. Pensei em namoradas, namorei com vizinhas, companheiras, conhecidas, sem nunca concretizar nada. Mas com elas alimentava minha fantasia e meus pecados.

Depois passei a ver os primeiros filmes pornográficos na casa de uns amigos. Desde então sou escravo.

Estudei e recebi uma boa educação, inclusive na universidade. Porém sempre com esta segunda vida encoberta. Por algum tempo me confessava, mas sem mudar substancialmente de vida; e voltava sempre ao mesmo lugar. Pornografia e masturbação.

Firmei namoro várias vezes, e conduzi mal todos eles; em chegar a ter relações sexuais, frequentemente caía em “amassos”, beijos, abraços e, consequentemente, em minhas impurezas solitárias. Isso me dificultava ter encontros puros com minhas namoradas. Assim comecei a encontrar prostituta de vez em quando.

Até que comecei a namorar com minha atual esposa, a quem respeitei o quanto pude. Continuei com meu drama oculto, incluindo uma ou outra escapada para um prostíbulo, mas ela sempre respeite. E pensava sempre que o matrimônio solucionaria meu problema.

Casei-me e tivemos um começo muito feliz.

No entanto meu problema não se solucionou. Mais ainda, meus maus hábitos faziam com que nossas relações não me satisfizessem. Havia me acostumado mais à masturbação e à pornografia que a dar-me totalmente a uma pessoa, apesar de considerar que amo muito a minha esposa.

A insatisfação me fez frequentar mais os prostíbulos; especialmente quando tinha que viajar sozinho. E cresceram meus outros problemas, especialmente a pornografia.

Geralmente isso acontece quando me sinto estressado ou angustiado. Na realidade isso foi mudando: no princípio eu buscava de maneira deliberada, mas com o passar do tempo os impulsos começam a surgir sozinhos e a parecerem irresistíveis. Quase tudo os desencadeiam: o estresse, como te dizia, ou uma tentação, uma fotografia mais ou menos obscena, uma cena de filme; mas também me sucede depois de uma discussão com minha esposa, em momentos de tensão, ou simplesmente porque não consigo dormir, ou porque passo perto de meu escritório e vejo, pela porta aberta, meu computador ligado. Assusta-me pensar que qualquer coisa desatará esta tormenta outras vezes.

Os anos se passaram; já não sou nada jovem, e em minha alma sou mais velho do que pensam.

Disse-te anteriormente que sou um escravo. Tenho sido escravo por muitos anos, mas sempre o neguei. Sempre quis crer que era algo que poderia controlar, que o fazia porque queria, como um escape de meus problemas ou para aliviar minhas tensões, porém eu dizia a mim mesmo que quando eu quisesse eu cortaria. Mentia. Quis cortar muitas vezes, e não pude, ou o consegui por um período breve, voltando sempre a começar. E nunca quis aceitar que já não tinha liberdade; nem sequer aceitava que tinha um problema. Quando comecei a perder muitas coisas boas que havia amado desde sempre por culpa desses vícios, também comecei a ter que aceitar que isso não é nada mais que uma diversão pecaminosa ou uma vingança escondida. Creio que não sou livre!

Poderia falar muito mais detalhes, porém quero resumir um drama enorme na menor quantidade de linhas possíveis.

Sinto-me desgastado, escravo, inútil. Não tenho vontade de viver. Não sei pelo que lutar nem por onde começar. Não sei se cheguei ao fundo do poço, mas penso que minha dupla vida a qualquer momento virá à tona; é muito difícil tapar o sol com uma peneira. E quando vir, perderei o pouco que me resta daquilo que mais quero.

Diga-me o que posso fazer.

Li teu livro. Atrevo-me a pedir-te que me dediques algumas linhas aplicadas ao meu caso. É claro que não peço soluções automáticas.

Simplesmente, como amigo, recorde-me do que já sei e dá-me motivos para fazê-lo.

E reze por mim.

Assino com o pseudônimo Saulo, com a esperança de que possa me converter e ser Paulo.

P/D Se te fores útil usar este testemunho para ajudar outras pessoas, faça-o, mas atente-se para que não se possa saber quem o escreveu.

QUERIDO “SAULO”:

O passo mais importante é este que tu deste: tomar consciência de que tens um problema grave. Embora estejas muito longe da solução, colocaste os pés sobre o caminho correto. Muito nem começam.

Viveste durante muito tempo apanhado por duas escravidões: a do sexo e a da negação de teu problema. Sem romper essa segunda cadeia, a primeira nos prenderá e degradará cada vez mais. A imensa maioria dos escravos ignoram que o são.

Mais ainda, a negação tem suas consequências, das quais a mais séria é tornar-nos cegos a muitas coisas. Tu pensas que agora vês. Claro, vês algo que antes não vias. Mas te advirto que seguramente tens todavia muito por descobrir. Estou seguro, pois vi em outras pessoas feridas ocasionadas pelo mesmo flagelo que te golpeia, pode ser que haja muito mais lama por baixo do que imaginas. Demos tempo ao tempo. Conto com que tu enxergarás mais claro conforme fores trabalhando; mas minha advertência tem um sentido: prepara teu coração para trabalhar muito e para lutar muito duro, se queres sair disso.

Podes sair? Confio em que podes. És inteligente e lograste muitas coisas na vida. E tens de tua parte a Deus, que é Pai e não abandona quem pede seu auxílio.

Esta carta, evidentemente, não pode dar-te todos os elementos para teu trabalho; porém o que me pedes é que te ofereça uma palavra de alento e te recorde algumas verdades fundamentais a respeito. Tentarei fazê-lo, e espero de Deus que estas linhas possam orientar-te a ti e a outras pessoas, já que tão gentilmente me permites que a utilize em favor de outros.

TEU PROBLEMA

Tens um vício ou uma adicção? Entendo por vício um hábito mau arraigado, e por adicção um hábito ou conjunto de hábitos que terminaram por comprometer seriamente a psique da pessoa, ao modo de uma enfermidade. No teu caso deixaremos para os especialistas a tarefa de delimitar se é uma ou outra coisa; mas é indubitável que não se trata de um vício comum e corrente; tens traços adictivos; por exemplo, a dupla vida que durante anos levaste (ou segue levando, talvez), o hábito da negação e da mentira que desenvolveste para poder proteger esta dupla vida, a incapacidade que experimentaste ao tentar deter esta loucura e a enorme quantidade de detonadores que põem em marcha teu ciclo escravizante. Para enfrentar o problema podemos servir-nos daquilo que ensinam os que lutam contra adicções propriamente ditas.

Mencionei “ciclo” porque é assim que o experimentas. Uma experiência determinada (por exemplo, ver uma imagem, ter uma recordação ou até a aparição de certos sentimentos e estados de ânimo) desencadeia uma série progressiva de atos sobre os quais pareces não ter grande domínio. À obsessão inicial se segue uma espécie de busca ansiosa daquilo que se espera obter prazer (que sempre é ampliado em magnitude na imaginação do escravo sexual); em geral esta busca se realiza – no caso dos adictos – de uma maneira sempre igual, criando-se uma espécie de ritual (no fundo se trata de prolongar a duração do ato sexual porque se sabe que o orgasmo sexual é algo fugaz). Esses atos terminam no prazer sexual que, como acabe de dizer, é de uma duração efêmera, e dão lugar, então, a um retorno à normalidade (isso é, cessa a obsessão), originando sentimentos negativos: arrependimentos e vingança, justificações (“não pude evitá-lo”, “não poderia fazer outra coisa”, “estava muito alterado”), recriminação (“é culpa de minha esposa, que se tornou indiferente comigo”, “a culpa é de minha chefe, que me puniu no trabalho”, “o culpado é meu pai…, o cansaço…, o estresse…”), promessas (“não vou fazer nunca mais”), etc. E assim a pessoa se mantém até que novamente outra circunstância volta a disparar o vício.

De todo modo, Saulo, a existência deste doloroso círculo (que todo adicto pode constatar, se for sincero consigo mesmo), supõe a de outro mais profundo, que é o que verdadeiramente alimenta todo esse problema de escravidão. Podemos chamá-lo “ambiente de cultivo adictivo”. Está formado por um circuito com quatro bases. A primeira é o ponto de partida de todo o drama existencial e consiste em um conjunto de ideias equivocadas, mas profundamente arraigadas no coração da alma escrava; são ideias que afetam realidades fundamentais da vida, como por exemplo “que Deus não existe ou, pelo menos, não se interessa por nós”, “que o mal e a dor não têm sentido algum”, “que o amor verdadeiro não existe”, “que o único fim de nossa vida é o prazer e o êxito”, “que na vida tudo é questão de boa ou má sorte”, “que o matrimônio tem sentido enquanto as pessoas se gostam ou se dão bem”, “que os filhos são uma carga”, etc. Poderíamos indicar centenas de conceitos totalmente errôneos que conformam, lamentavelmente, o sedimento podre de todas as culturas que se constroem à margem dos princípios de Deus ou do Evangelho e da Igreja. A pessoa convencida de alguns desses princípios passa espontaneamente a uma segunda base, que consiste em forjar-se um conjunto de pensamentos incrivelmente daninhos sobre si mesma: “Deus não me quer”, “não valho nada”, “minha vida não tem sentido”, “sou um fracasso”, “para mim é impossível a felicidade”, “os demais se aproveitam de mim”, “ninguém de ama, tão somente me usam”, “mais vale morrer do que viver”, etc. Como verás, todos esses juízos negativos são aplicações pessoais das ideias errôneas aceitas anteriormente. Se nossa cultura está composta por aquele sedimento, estranhas que tantas pessoas tenham um olhar pessimista e até suicidas de si mesmas? A terceira base é a consequência lógica desses pensamentos: um estado de tremenda fragilidade. O que falta para derrubar uma pessoa que tem uma cabeça repleta desses sentimentos negros? Um sopro! Pois bem, esse sopro desencadeia a quarta base, que é o estado de prostração (de vazio, cansaço, depressão, inutilidade, angústia, confusão, dor etc.). Uma vez nesse estado, falta pouco para ascender a faísca da obsessão que desencadeia o círculo de escravidão que mencionávamos mais acima e de que tu tens experiência dolorosa e pessoal.

Digo isso porque a única forma de romper as cadeias é começar a corrigir tudo o que esteja equivocado em nosso modo de pensar, especialmente em três pontos: o conceito que formaste de Deus e das realidades divinas (sua lei, seus mandamentos, a vida da graça etc.), o conceito que fizeste do próximo e que forjaste sobre ti mesmo. Isso não é tão fácil quanto parece, porque a partir desses conceitos tomaste decisões e realizaste numerosos atos que se converteram em hábitos profundamente arraigados; e arrancar hábitos não é como arrancar cenouras; se parece mais com extrair uma bala alojada perto do pulmão. Entretanto, como ensinaram, incluindo os velhos filósofos pagãos, é possível. E se adicionamos a graça de Deus, que sempre nos oferece nosso Senhor, é ainda mais.

TUA LIBERDADE

Em tua carta, várias vezes tu falas de escravidão. Tens razão, és escravo dos diversos vícios do sexo desornado que mencionas em tuas linhas (masturbação, pornografia, prostituição, infidelidade) e de outros que subentendem (mentiras, dupla vida, pensamentos daninhos etc.).

Entretanto, atrevo-me a dizer-te que, se não transpassaste as barreiras da loucura (e confio que não, porque não escreves como um perturbado, muito pelo contrário), tens então um núcleo de tua liberdade que todavia pode ajudar-te a dar a volta por cima com a graça de Deus, que cura e eleva nossa natureza.

Mas se é assim, por que tantos não o conseguem? É porque não se pode ou porque não se quer? Sem dúvida alguns não podem sair porque seu desequilíbrio se fez tão profundo que, de algum modo, se perdeu a conexão com a realidade. Mas em muitos casos devemos reconhecer que se mescla uma boa parcela de não querer. E com isso me refiro, inclusive, a alguns que dizem querer sair e choram e clamam que querem se curar! Não; não é tão claro que queiram sair. Parecem o pianista do barco que estava afundando e que queria se salvar levando o seu piano. Queria salvar-se? Queria salvar-se “levando seu piano”; mas em um naufrágio, essa estúpida cláusula, impossível de ser cumprida, equivale a não querer salvar-se. Assim também há muitos que querem sair de seus dramas sem perder nada ou perdendo muito pouco. Com frequência isso o torna impossível. Não te enganes: quem chegou a este ponto deve pagar um preço muito alto por sua cura. O preço é uma conversão total e sem partes. Implica uma mudança radical de vida, um corte substancial de tudo quanto tenha relação com seu problema. Um sacerdote americano com grande experiência ajudando adictos me contava o diálogo que havia mantido com uma pessoa a qual, depois de receber um ultimato para não voltar a ver pornografia na Internet, havia reincido:

Querido amigo, isso significa que, daqui para frente, jamais deverás voltar a usar a Internet para alguma coisa.

– Entendo, Padre, mas tu compreenderás que isso, em nossa época, não é possível; todas as comunicações implicam Internet, e-mails etc.

– Não, amigo, quem não me entende és tu. Isso tem que ser possível, sim ou sim. O que estou te dizendo é que a imensa gravidade do teu problema e o ponto ao qual chegamos de deterioração de tua vontade, já não deixa nenhuma alternativa: é absolutamente necessário que te esqueças da Internet, se pretendes ter pelo menos esperança de sarar. Tua última recaída foi também a última oportunidade que tinhas, e perdeste-a.

Talvez também tu tenhas que renunciar a teu computador ou te limitares a usá-lo na sala de jantar da tua casa, e sempre quando tua esposa e teus filhos estejam próximos de ti, ou não possas viajar profissionalmente sem a companhia de tua esposa, ou devas esquecer-te para sempre de certos amigos, ou tenhas que mudar de trabalho, ou tenhas que doar seu aparelho de televisão, ou devas deixar tantas outras coisas. “Não posso, é impossível, isso me é necessário!” Bem: aqui tens o obstáculo principal. Porque não se trata de posso ou não posso, ou de que é um sacrifício enorme, senão de que, a essa altura do problema, já não há alternativas: ou tudo ou nada.

Escreva num papel tudo o que estás disposto a deixar, caso chegue a ser necessário, e tudo o que te parece ser renúncia excessiva. Na realidade deves colocar uma só palavra: “RENUNCIO A TUDO O QUE DEUS ME PEDIR”. Se pensas que há coisas das quais não podes te desprenderes (fora, evidentemente, de tua esposa e de teus filhos e da lei de Deus), então não estás preparado – e talvez não estejas nunca. E isso testemunharia que a causa de tua tragédia não é a má sorte, nem a desgraça, nem o destino, senão o mau uso de tua liberdade; o não querer renunciar a algo que devias renunciar. O fumante empedernido que morre de câncer pulmonar não tem má sorte, senão que elege seu mau fim. Não é carência de liberdade, mas um péssimo uso de seu livre arbítrio.

ALGUMAS COISAS ACERCA DE TEU PROBLEMA

Disse-te mais acima que com os dados de tua carta não posso dizer se já tens um problema adictivo ou se todavia não chegaste a tanto. Porém no caso de que seja uma adicção, deixe-me recordar-te de algumas coisas a respeito.

A primeira é que é um problema progressivo. Não penses que se deterá somente por si. Pelo contrário, sendo um hábito vicioso, tenderá a reforçar-se com cada novo ato, arraigando-se mais profundamente. Da mesma maneira que cada vez que praticas inglês dominas melhor essa língua, e cada vez que tocas piano os movimentos de tuas mãos se vão automatizando mais e melhor, o mesmo sucede com teus maus costumes. Vão-se inveterando, e, como já sabes, os velhos hábitos são como uma segunda natureza. Ademais pode-se dar um segundo modo de progresso: o salto de um nível (de gravidade) a outro (mais perigoso). O sexo produz prazer, porém se trata de um gozo efêmero que, quando não é parte do amor verdadeiro (somente possível dentro do amor conjugal), dá lugar a uma profunda frustração; daí que se estabeleça uma espécie de persecução obsessiva do prazer ideal, porque sempre permanece a utopia de que, se ao invés de fazê-lo como da última vez, o faço de tal ou qual maneira, ou com tal ou qual pessoa, ou em tal ou qual momento, a coisa será distinta, e por fim se alcançará esse êxtase tão desejado e nunca realizado; é o mesmo caso do jogador compulsivo que, depois de perder seu dinheiro centenas de vezes, volta a dizer para si mesmo: “desta vez será diferente e talvez recuperarei tudo o que pedi e ficarei rico”. Por isso, sem se dar conta, a pessoa vai passando de um comportamento desordenado a outro mais desordenado. Os que buscam pornografia sabem muito bem isso; também os que foram passando de um comportamento sexual sem grande risco para outros cada vez mais arriscados. Muitos adictos me confiaram que muitas coisas que anos atrás juravam e perjuravam que jamais fariam, terminaram sendo, mais tarde, seus costumes habituais. Um adicto uma vez me disse: “quando fui à minha primeira terapia com um grupo de pessoas que lutava contra a adicção ao sexo, um dos que ali estavam me disse: <<Amigo, nosso problema, se não o curarmos radicalmente, terminaremos em um destes três lugares: na cadeia, no manicômio ou no cemitério>>”.

O segundo que quero que tenhas presente é algo que já te disse acima: é provável que todavia não tenhas chegado à sinceridade total. A adicção (e os vícios em geral) se protegem mediante a mentira e a simulação. E a mentira exige mais mentiras para não deixar suas pontas soltas, e, por fim, mente-se tanto que o mentiroso acaba por enganar-se a si mesmo, crendo que suas mentiras são verdades. Grande parte de teu trabalho deverá consistir em esforçar-se por seres sincero, por atar-te à verdade totalmente.

Em terceiro lugar, recordo-te de três obstáculos principais para solucionar este problema. Um é o orgulho que se manifesta nos caprichos, na exaltação de si mesmo, na falta de obediência e docilidade para com quem quer e pode nos ajudar, no juízo próprio (isso é, o querer seguir o próprio parecer em tudo, quando, precisamente, devemos desconfiar da objetividade de nossos juízos, por serem juízos de um enfermo), etc. Se queres curar-te, deves ser muito humilde e humilhar-te profundamente; peça a Deus essa virtude fundamental. Outro é a superficialidade, câncer de nosso tempo. Não há cura sem trabalho a fundo, até as últimas raízes. O superficial foge da profundidade, é inconstante, abandona o começado, crê que fez muito quando apenas se deu um passo, pensa que já conseguiu solucionar o problema quando apenas houve uma pequena melhoria etc. Exige-te ser profundo! O último é o desânimo, o cansaço, a desmoralização que nasce de ver a lentidão dos nossos passos ou, inclusive, do experimentar fracassos e quedas ao longo do caminho. Aviso-te de antemão que o caminho é largo e muitas vezes coberto de espinhos; nem sempre caminharás retamente, nem de maneira cômoda; mas não deixes que isso te abata. Nos momentos árduos, pense em Jesus em direção ao Calvário; também Ele sofreu muito e caiu várias vezes, mas levantou-se para continuar até o supremo sacrifício.

Finalmente, tenha presente as consequências de toda adicção. Essas podem afetar todos os âmbitos da vida humana deixando sequelas físicas (doenças sexualmente transmissíveis, envelhecimento prematuro, danos de diversa sorte), psíquicas (debilitamento da vontade, abulia e escravidão psíquica, diminuição da lucidez, embotamento mental, depressão, angústia, e até loucura), laborais e econômicas (endividamentos, demissão, fracasso profissional, falência e miséria), sociais (ruína da boa fama, cárcere), familiares (ruptura matrimonial, abuso e humilhação do cônjuge, danos aos filhos, isolamento, abandono, violência, infidelidade, adultério, contágio do cônjuge por doenças sexualmente transmissíveis, etc.; tanto afeta que um especialista disse que “a adicção sexual é uma enfermidade familiar”). Luta desde já, para que isso não se faça realidade.

PARA SAIR

Para sair necessitas de ajuda. A de Deus, antes de tudo, que te a oferece por meio dos sacramentos da Igreja: confissão e comunhão frequentes e através da oração incessante.

Também a dos homens. Necessitas de um amigo; alguém em quem confiar e abrir tua alma. Mas de nada servirá ter um confidente ou muitos, se fizeres pouco caso ou se fazes como os tolos que, quando seu conselheiro lhe diz algo que não gostam, consultam outro e vão recorrendo de um em para ver se encontram um menos intransigente. Por isso, se alguém aceita ajudar-te, deveria fazê-lo somente as custas de tua obediência incondicional. E se começas a não cumprir com o que firmaste com ele, depois de um par de oportunidades de recomeçar o trabalho, deveria renunciar a seu trabalho. Do contrário só contribuiria para que crescesses em teu engano. Sei de pessoas que creem estar “saindo” de seu problema, quando o que ocorre é o contrário: voltam repetidamente ao mesmo. Nesses casos a única forma de fazer a pessoa pisar na realidade é romper com essa farsa.

Se há adicção propriamente dita e arraigada necessitarás de um grupo de apoio. Assim como existem os Alcoólicos Anônimos para ajudar os adictos ao álcool, também existem grupos de Sexólicos Anônimos. Tenha em mente que nem todos os grupos te ajudarão corretamente, a menos que se guiem fielmente pelos ensinamentos morais da Igreja. Nesse tema a questão é delicada, porque há alguns que pensam que o problema sexual não está na prática desviada da sexualidade, mas quando se perdeu o controle dela. Assim encontramos grupos que pretendem ajudar uma pessoa homossexual a levar uma vida homossexual ativa porém “controlada”, isso é, com um parceiro estável; o mesmo se diz para outros comportamentos desordenados. Dessa maneira não se soluciona nada, porque não te salvará o viver moderadamente o pecado senão o sair dele. Deves buscar um bom gripo, e dificilmente perseverarás em teu propósito se não estiveres apoiado por alguém, porque te desanimarás, o voltarás ao mesmo de antes. O grupo de dará força, te exigirá que cumpras com teus propósitos, e te protegerá de tuas próprias debilidades. Alguns pouquíssimos conseguem sair sem esse método; porém muitos jamais o conseguem sozinhos. Não caias na presunção diabólica de pensar que tu és daqueles poucos; seja humilde, abaixe o topete e peça ajuda.

Para sair necessitas de um método, isso é, de um programa de trabalho. Sugiro-te precisamente o que esses grupos que acabo de mencionar e que foi elaborado pelos fundadores do Alcoólicos Anônimos (enfermos eles mesmos, mas que, graças a esse trabalho, saíram do inferno em que viviam). É conhecido como programa dos Doze Passos. Tu já o leste em meu livro2 [La trampa rota. El problema de la adicción sexual]. Tenha em mente que suas linhas fundamentais te ajudarão, se as praticares ao pé da letra e somente se fizeres dessa maneira, inclusive se teu problema não haja chegado todavia a ser adictivo. Não te falarei de cada um desses Passos, para não repetir aquilo que já sabes. De qualquer maneira os releia, ou busque-os em outros livros sobre o tem. A seguir apenas destacarei alguns aspectos do espírito com que teu problema deve ser enfrentado.

Acima de tudo isso, para sair tens que ter um bom motivo, ou seja, algo que dê sentido a tua luta. Sem motivos de peso não superarás o obstáculo do desânimo quando ele sobrevier. Deus e tu família são dois excelentes motivos. O primeiro é a salvação de tua alma e não decepcionar a Quem morreu por ti na cruz. Tua esposa e teus filhos são o segundo. Si tu te afundas, é provável que eles também afundem. Se tu te curas, eles serão preservados. A adicção de um esposo ou de um pai ocasiona desesperança, miséria, vergonha e abandono a muitas esposas e filhos. Não sejas tu a causa da ruína daqueles que amas. Que o amor por eles te dê forças para lutar contra tuas cadeias. Uma vez que descubras algo que dê sentido a tua luta, deves tomar decisões cheias de sentido, renunciado ao que tenhas que renunciar e aceitando o que seja necessário para tua cura e conversão. Finalmente, hás de manter essas decisões contra os inimigos que indubitavelmente hão de surgir em teu caminho: o desânimo, o cansaço, os possíveis retrocessos ou fracassos, os medos, as tentações. Prepara-te para tudo isso!

O QUE NÃO PODES

Aqueles que têm lutado com êxito contra outras adicções, como, por exemplo, ao álcool, insistem em que o primeiro passo indispensável para se recuperar seriamente é romper o falso sentimento de “poder” que todo adicto possui. Parece-me que isso vale, em certo sentido, também para quem tem um vício muito arraigado, mas não seja adicto (todavia). Esse sentimento de “poder com nosso problema” nem sempre é consciente; esconde-se muitas vezes na resistência a deixar-se ajudar ou a reconhecer-se escravizado. Muitas pessoas pensam que seu problema é questão de “conversão”; e evidentemente também é uma questão de conversão, porém ademais é algo mais que isso: a verdade é que seu problema se foi totalmente de suas mãos, e se quiser sair dele, terá que se colocar em outras mãos e abrir seu coração a quem possa o ajudar; devem deixar-se ajudar. A vergonha em reconhecer este estado de prostração, o ter que abandonar uma fachada forjada durante muitos anos, o medo de sentir-se visto como um enfermo ou um viciado ou, simplesmente, de que outros saibam de que não és o gentleman ou o baluarte ou o modelo exemplar que todos creem, é a barreira na qual todos os teus intentos de curar-se podem esbarrar. Há pessoas que preferem que as vejam como pecadores (que podem converter-se) a que descubram que são enfermos, isso é, barcos afundados que não vir à tona por si mesmos. Que papel indispensável faz, pois, a humildade verdadeira, que é um profundo, pleno e total reconhecimento de nosso nada!

Pois bem, se és um adicto, quer dizer que se gerou em ti uma radical impotência frente a teu problema. Mas não havíamos dito que há em nosso fundo, ao menos antes que a loucura nos desarme completamente, um fundo intacto de liberdade? Sim, e precisamente esse fundo de liberdade todavia intacta atua para fazer-te reconhecer tua impotência e para que peças ajuda e para seguir, de pronto, todas as diretivas que outros te darão, mas não para sair por ti mesmo. Digo “outros”, ou seja, aqueles que estejam com a visão sã, pois tu talvez estejas cego, ou pelo menos míope. Sem te renderes humildemente a Deus e a quem possa te ajudar, não sairás. E essa rendição é voluntária, porque tu não és um boneco a quem podem armar e desarmar como marionete. Eis aqui o papel de tua liberdade. Mas enquanto pretendas erigir-te como teu próprio guia e quiseres insistir em que “as coisas não se fazem assim”, em “tu sabes bem o que te convém”, em que “isto não é para tanto”, em que “o que te pedem é algo tolo”, em que “eles não entendem meu problema”, em que “estão exagerando com a gravidade”, etc., deves tomar consciência de que não és tu senão tua enfermidade que recobrou o mando de tua pessoa. Ou seja, recaíste em suas garras.

TUAS OUTRAS DEPENDÊNCIAS

Não poderás vencer teu problema se não romperes totalmente com o emaranhado de dependências em que vives. Talvez te pareça estranho o que vou te dizer, mas é uma importante verdade. Tu pensas que és escravo do sexo, e certamente o é; porém é provável que tu sejas escravo de coisas das quais não tens tanta consciência, e que reforçam, todavia, aquela que tanto te humilha.

É provável que dependas excessivamente da aprovação dos demais, que te sobrecarreguem demais as críticas, as frustrações, o medo do ostracismo, a indiferença, a rejeição ou a má fama; e que, pelo contrário, pese muito o gosto por ser bem-visto, querido, aplaudido, premiado, considerado etc. Talvez não dependas tanto do amor ou da rejeição dos outros em geral, mas sim em relação a alguma pessoa em particular: tua esposa, teus filhos, teus amigos, teu pai, tua mãe etc. De qualquer maneira, tua liberdade está restrita. Se esta é tua situação, nunca farás o que em consciência tenhas que fazer no caso de tuas decisões serem mal-vistas ou creias que podes perder o afeto de quem amas.

Talvez tenhas também dependência social ou cultural, ou seja, influam muito sobre ti os critérios do mundo. Te sentes antiquado porque não tens o que o mundo considera como essencial do homem moderno, te sentes estúpido porque não fazes o que todos fazem, realizas gastos desnecessários para ter o que todos consideram que “se deve ter”, embora não saibas que uso dar à coisa três dias depois de comprada, sentes-te obrigado a trocar algo que funciona muito bem pelo modelo mais novo, simplesmente porque a propaganda te fascinou. Então és um escravo dos critérios massivos criados a piacere pelos geradores de “necessidades”, ou seja, os donos da propaganda. Embora te pareça mentira, esta dependência reforça de maneira fundamental tua escravidão sexual.

Pode ser que seja escravo de caprichos ou de prejuízos. Isso é muito comum. Alguma vez colocaste uma condição insensata? Pois é a esse tipo de dependência a que me refiro. Por exemplo, se sabendo que a paz da família é um valor fundamental, depois de uma discussão com tua esposa, disseste interiormente para ti: “vou pedir-lhe desculpas se também ela reconhecer que estava errada, ou se ela aceitar que iniciou a disputa, ou…”. Pode ser que historicamente tenhas razão: esta vez ela começou, ou ela estava errada, ou ela foi injusta. Mas se esperares a iniciativa dela talvez jamais se reconciliem, e por tua tola condição haverás perdido o amor de tua esposa e talvez de tua família. É notável como vivemos fechados dentro deste tipo de limite. E quem se acostuma a viver enjaulado atrás das grades de seus caprichos, dificilmente alcançará a liberdade de outras algemas mais grossas. Pergunte a ti sempre somente uma coisa: “o que Deus quer que eu faça?”, e faça-o, ainda que todo o mundo caia.

Finalmente há a dependência dos próprios estados de ânimo: o não suportar sentir-se mal, ou o desejar a todo custo sentir-se feliz. Isso gera fugas suicidas e perseguições desordenada. Fuga do sofrimento, da solidão, do tédio, da cruz, do desconforto etc., por caminhos destrutivos: o álcool que afoga as mágoas, a masturbação que serena a ansiedade, os calmantes que amortecem dores não tão graves. Também desencadeia buscas por uma felicidade efêmera por meio de um romance, de uma relação sexual imoral, de um par de horas navegando em páginas pornográficas, de uma garrafa de álcool ou de uns gramas de cocaína. Essa dependência do estado anímico é a que engendra adicções e escravidões. Creio que é teu caso.

A menos que enfrentes todas, não lograrás vencer essa última.

ENTREGA-TE A DEUS

Não sairás disso sem Deus. Melhor dizendo: não te curarás se Deus não passar a ocupar um lugar em tua vida muito diferente daquele que Ele ocupou até agora.

Eu sei que no teu caso particular tens uma boa formação cristã. Atreveria a dizer que seria mais fácil para mim te dar conselhos se conhecesses pouco ou nada de Deus. Em contrapartida, por tua formação me encontro com a dificuldade de que tudo quanto te diga sobre Deus tu me digas que já sabes e que o problema não é por ali.

Porém eu creio que é por ali. Tu o descobrirás se fizeres teus atos “falarem”.

Explico-me: podemos dizer que as verdades que cremos se “depositam” em dois “lugares” diversos, onde podemos mais tarde buscá-las para conhecer quais são nossas convicções. O primeiro é nossa inteligência; o segundo são nossos atos (porque essas verdades são como a alma de nossas decisões e ações, já que obramos guiados por aqueles princípios que aceitamos como válidos). Para saber em que cremos e que não cremos ou como são certas ideias que aprendemos, podemos ou bem revisar nossa inteligência ou, ainda melhor, ver quais são os atos que nascem do nosso coração. Em algumas pessoas, entretanto, deparamo-nos com a descoberta de que aquilo que dizem não é compatível com a maneira de agirem. Dizem-nos, por exemplo, que creem que Deus é um Pai providente (e o professam intelectualmente), mas tremem como um galho verde quando veem que o dinheiro não é suficiente para passar o mês (não seria o momento de dizer com serenidade: “Deus proverá?”). Poderíamos elencar muitos exemplos dessa dicotomia entre o que pensamos e o que obramos.

Tu recebeste noções muito claras sobre Deus; inclusive falas muito bem dEle. Mas seus atos, tuas decisões, teus temores, teus planos e desejos, dizem o mesmo? Não negas com tuas obras o que afirmas com tua boca?

Dize-me, pois, ou confessa-te a ti mesmo, como é o Deus que professas em teus atos e qual é o lugar que lhe dás em tua vida segundo o que manifestam teus atos. Manifestam tuas obras que Deus é verdadeiramente teu Soberano ou que fostes redimido, ou que se pagou por ti o preço do Sangue de Jesus Cristo? O que eleges fazer colocas em evidência que para ti a lei de Deus é a regra suprema do obrar cristão? Tuas palavras confessam realmente o valor supremo da verdade? Teu comportamento deixa em evidência o valor indiscutível da família, do matrimônio e da fidelidade? Teu modo de vida é o grande testamento que estás preparando para teus filhos? Quanto tempo dedicas à oração? Como é teu trato com Deus Pai? Que fazes nos momentos de tentação; a quem recorres, onde de escondes até que se passe a tormenta?

Se obras de modo contrário ao que pensas e ao que predicas a outros, não te enganes: na realidade estás convencido daquilo que convertes em vida; e as verdades somente ganham vida em ti da boca para fora; não nuvens que o vento leva.

Abandona-te nas mãos de Deus; confia-lhe teus sofrimentos e tuas lutas. Toma consciência de sua presença e de sua ação em tua vida. Aprenda a rezar-Lhe como Pai, mas esforça-te para respeitá-lo como tal. Aprenda com Jesus o amor a Deus Pai, e peça ao Espírito Santo o dom do temor filial, isso é, do amor intenso que se converte em temor, não tanto do castigo divino (que tampouco é ruim temê-lo de modo equilibrado) senão do temor de ofender a quem amamos.

SABES QUANTO VALES?

Somente se souberes o quanto está em jogo lutarás para defendê-lo. Portanto, deves ser consciente do que vales para Deus. A imensa maioria dos adictos tem um conceito muito pobre de si mesmo; de fato a luxúria é uma atitude autoagressiva. Se tu te permites te revolveres pelo chão, é porque guardas rancor até ti mesmo. Na realidade, nem todos adictos e luxuriosos se depreciam a si mesmos; alguns o reconhecem. Outros, em contrapartida, creem amar-se em excesso e pensam que a luxúria é fruto do amor por si mesmo, e que por isso não se negam nenhum gosto ou prazer. Mas de todo modo é um falso amor. A quem amo verdadeiramente o protejo e não permito que se lhe faça mal nem que se lhe tirem a vida. Ao deixar que teus instintos animais governem tua pessoa, não te fazes nenhuma honra a ti mesmo.

Quem já caiu nesse erro dificilmente pode recuperar a própria estima por caminhos puramente naturais ou humanos. De todo modo, tenta-o alimentando uma falsa confiança em si mesmos: o “tu podes!” que escutamos nos filmes baratos.

Eu te convido a teres o melhor dos apreços por ti mesmo, mas não só por aquilo que naturalmente tu és, mas por aquilo que fostes transformado pela obra de Deus: “fostes resgatado da conduta tola herdada de teus pais, não com algo caduco, ouro ou prata, mas com um sangue precioso, como do cordeiro sem mancha nem impureza, Cristo, predestinado antes da criação do mundo e manifestado nos últimos tempos por tua causa” (1Pe, 1, 17-21).

Nunca deixes de olhar as duas verdades de teu ser: tua grandeza e tua miséria. Dizia Pascal: “é perigoso fazer o homem ver sua miséria sem mostrar-lhe sua grandeza, e é igualmente perigo fazê-lo ver sua grandeza sem mostrar sua miséria; e mais perigoso ainda o deixar na ignorância das duas.”

No lugar mais profundo do coração não há trevas, senão luz. Para a fé cristã, embora debaixo das deformações que o pecado impõe à alma, está sempre acesa a brasa que é a imagem de Deus, a qual nem o pecado borra completamente, embora a deixe turva e rachada, e dali se reforma a imagem de Deus em nós.

Por isso, mesmo que tenhas que baixar e penetrar em teu interior por camadas distorcidas pelo pecado, sempre deves guardar a esperança de chegar a uma terra firme e sã, capaz de volta a Deus e liberar pela graça essas energias adormecidas para ser santo.

Não sejas cego perante tua verdadeira grandeza.

MUDE DE VIDA

Teus hábitos viciosos não cederão terreno a menos que modifiques substancialmente tua vida. Se te ocupares em sanar ou mudar mas tratando de perder o menos possível, esquece-te desta carta; não te servirás de nada.

Deves queimar o que tu adoraste e adorar o que queimaste. Isso é, dar uma reviravolta em tua vida. Já sei que fazes muitas coisas de bom cristão. Mas muitas outras não; e essas são as raízes que incessantemente produzem brotos malignos.

Aos que se relacionaram contigo por questões pecaminosas considere-os mortos, sepultados e esquecidos. E se tu esteves “envolvido” afetivamente com alguma pessoa, não só deves considerá-la morta em teu coração como que deves apagar de tua cabeça todo intento de um enterro estúpido. Conheci mais de um e uma que sentiram a “necessidade” de romper “como um cavalheiro” ou “como uma dama” com aquele ou aquela com quem se ligaram pecaminosamente. E, por isso, a despedida romântica e leal não fez outra coisa senão jogar gasolina num fogo que não estava extinto, com o que se cumpriu o que disse o Senhor: “os últimos dias daquele homem vieram a ser piores do que os primeiros” (Lc 11, 26).

Não deves voltar a passar pelos lugares nos quais pecaste; não deves voltar aos antros de teus pecados. Queima tudo quanto tens de literatura, música, vídeo etc., que tenha algo a ver com o pecado e com tua vida passada. Se tens que formatar um computador, faça-o; se tens que quebrá-lo, quebre-o; se tens que começar a viver sem telefone, começa-o hoje. Não parecerá isso excessivo a um discípulo dAquele que disse: “se teu olho te é ocasião de pecado, arranque-o…; se tua mão te serve de tropeço, corte-a…porque mais te convém perder somente um de seus membros e não ir com teu corpo inteiro à condenação eterna” (Mt 5, 29-30). Quando o fizeres, não te sentirás tão mal como supões; na realidade, começarás a saborear a verdadeira liberdade.

Abra à luz tudo quanto há de oculto; teus males secretos, tudo quanto pode alimentar tua vida dupla; dá a conhecer tuas chaves secretas e tudo quanto puder transformar-te em um homem com facetas ocultas. Tua escravidão cresceu à sombra da clandestinidade, e por obra e graça dessa. Agora deverás ser claro como um cristão, ou não serás nada.

Deves fazer propósitos substanciais (não servem as determinações medíocres, nem prorrogações para depois), firmes, e mantendo-os até o derramamento de sangue. Não digas “amanhã começo” ou “vou respirar um pouco”. Se estás conectado a um respirador artificial, não podes desconectá-lo por um quarto de hora. E digo-te que tu respiras artificialmente.

Todas as noites hás de fazer uma oração séria, honesta e exaustiva, na qual examines à luz de Deus tua conduta do dia, especialmente nesses pontos. E se claudicares em algo, deverás pedir perdão e aplicar-te uma penitência que seja modesta, e se cederes mais de uma vez, que a penitência seja maior. Se o castigo não te custares, não te corrigirás.

Semanalmente deverás dar cabalmente conta de tua vida a quem te esteja ajudando. Com toda pontualidade. Se a pessoa a quem pedes ajuda não puder dedicar-te esse espaço semanal, não te serve. Busque outro. Pode ser um sacerdote, um amigo sério ou, indispensavelmente em alguns casos, alguém designado pelo mesmo grupo de ajuda a que aludi anteriormente.

Se te sentires mal ou ansioso em algum momento, se pressentires que estás por entrar em um desses ciclos adictivos, se vires que estás perdendo força, chame imediatamente por telefone a pessoa que está te ajudando, ou fale com tua esposa, ou com teu confessor. E se não puderes fazer nenhuma dessas coisas, coloque um alarme de incêndio na tua casa e acione-o; quando os bombeiros chegarem não encontrarão fogo na tua casa nem em tua alma. Uma vez li de um especialista com muito senso comum: ninguém continua a estar sexualmente apaixonado se de repente soa o alarme contra incêndio.

Se não fizeres nenhuma dessas coisas por não querer fazer papel de bobo, engane-se; não parecerás um bobo hoje, mas amanhã poderás te passar por um tolo ou um miserável aos olhos de todos.

VIDA SOBRENATURAL

Se teu trabalho se resumir a uma luta puramente natural não chegarás a nenhuma parte. Pôr toda tua confiança em Deus quer dizer viver por completo a vida sobrenatural que nos trouxe Jesus Cristo. Talvez já cumpras com algumas exigências da fé, indo à missa, confessando-te e rezando. Porém também é possível que não estejas fazendo o suficiente. Nesse ponto permita-me que te transcreva um parágrafo de São Pedro que pode iluminar-te muito: “Portanto, cingindo os lombos do vosso entendimento, sede sóbrios, e esperai inteiramente na graça que se vos ofereceu na revelação de Jesus Cristo, como filhos obedientes, não vos conformando com as concupiscências que antes havia em vossa ignorância. Mas, como é santo aquele que vos chamou, sede vós também santos em toda a vossa maneira de viver, porquanto está escrito: sede santos, porque eu sou santo” (1Pe 1, 13-16). Cingir os lombos equivale a nosso “arregaçar as mangas”, isso é, preparar-se para trabalhar duro; por isso devemos evitar enredar-nos com o que estamos vestindo.

São Pedro nos exorta a ser filhos obedientes; a quê? Aos mandamentos divinos. “Despegando-nos” das apetências da carne pelas quais alguém vive como um pagão. Isso significa que deves trabalhar sobre os critérios de tua mente. Não deves pensar como um pagão, que é o que fazes quando pecas, porque ao pecar deixas de lado o que te disse a fé e aceitas, pelo menos enquanto da duração do teu pecado, os critérios do mundo.

Não deves aspirar a ser bom, senão santo. Ser santo significa ser “excelente”, porque a santidade é a excelência; se não aspiras à excelência do espírito, jamais passará de medíocre; e se ficares na mediocridade, serás sempre um escravo. E tens que ser santo porque Deus é santo; esse é o motivo por que Ele nos exige colocarmos essa meta. Não por outro motivo, embora essa tendência à santidade produz muitos outros benefícios, o primeiro dos quais é que somente sendo santo serás também um homem completo. Inácio de Antioquia, a caminho do martírio, pedia a seus amigos que não se interpusessem salvando-lhe a vida, porque considerava que somente através do martírio – eis aqui suas palavras – “serei verdadeiramente um discípulo de Jesus Cristo…porque quando sofro, então serei um homem livre em Jesus Cristo”. O que ele disse do martírio aplique-o tu à santidade: ela é o único que pode te devolver esta humanidade e esta liberdade perdida na escravidão do vício.

Para aspirar à santidade tens que te entregar totalmente nas mãos da Mãe de Deus, porque Ella é o molde de Jesus Cristo e quem cai em seu colo adquire a forma de Cristo. Reze tu todos os dias o santo Rosário, e reze-o em família. Tens vergonha porque nunca o fez? Vence-te a ti mesmo. Queres verdadeiramente sair de tua escravidão? Começa por destroçar as algemas de tua má timidez, a timidez de fazer o bem, que se chama respeito humano.

Não te limites a ir à missa aos domingos. Vai tu também de vez em quando durante a semana; e chega uns momentos antes com tua Bíblia e lê uns versículos dos evangelhos, tratando de aplicar a tua vida o que lês. “A palavra de Deus é viva e eficaz” (Hb 4, 12) e cura a alma.

Confessa-te com frequência e busca um bom sacerdote para que dirija espiritualmente tua alma; mas faça-te discípulo dócil. De nada te serve ter um diretor espiritual se fizeres pouco caso de seus conselhos. Não o enganes; abre tua alma e obriga-te a obedecer-lhe em tudo.

Comunga com a maior frequência que te seja possível; mas faça-o com o coração purificado pelo arrependimento e pela confissão de teus pecados; e quando tenhas presente Jesus em teu coração, confia-lhe tua luta.

Faça penitências, ainda que sejam pequenas. Nega-te alguns gostos. O saber dizer “não” a nossos caprichos e gostos fortalece a vontade, enquanto o dar-se a todos os gostos abranda-a. Renuncia aos prazeres desnecessários mesmo que sejam inocentes, pelo menos a alguns; se queres ter a força necessária de rejeitar as grandes tentações contra a pureza, hás de provar-te primeiro que és capaz de privar-te de uma guloseima, ou de um cigarro, ou do que seja; cada um sabe onde seu calo aperta.

Esses são alguns traços da vida do espírito; não todos, mas os substanciais. Sem vida sobrenatural não se vencem os vícios.

PERDOA

Não sei se em teu caso particular há pessoas que tenham alguma responsabilidade sobre teu problema. Em muitos casos é assim. Há escravos do sexo que caíram nisso porque foram abusados quando pequenos, ou porque seus pais os educaram sem freios, ou porque não lhes ensinaram dizer não a um capricho. Outros caíram nisso vítimas da falta de um verdadeiro clima familiar, ou por terem sido abandonados por seu pai ou por sua mãe. Outros entraram por este caminho devido aos maus amigos que os empurraram para o vício quanto eram todavia inocentes. Ou pode haver-lhes sucedido outras desgraças, as quais me resulta impossível enumerá-las aqui.

Se te sucedeu algumas dessas coisas, ou ter sido ferido moral ou fisicamente de maneira grava, então será condição fundamental para sua cura aprender a perdoar.

Sem perdão não há nenhuma cura.

Não há dano que não possamos perdoar com a graça de Deus. Jesus nos perdoou e nos escusou quando estávamos cravando-o na cruz: “Pai, perdoa-os, pois não sabem o que fazem”. Escutei testemunhos de muitos que seguem imitando hoje a Cristo. Recordo o da mãe que perdoou em público o assassino de seu filho, e daquela jovem com tremendas sequelas físicas que perdoou, já grande, o médico que tentou abortá-la sem êxito (e que a deixou deficiente por toda a vida) e a sua mãe, quem, depois de ter fracassado no aborto, a abandonou. Com muito orgulho dizia, dada vez que dava testemunho de sua vida: “faço-o porque sou cristã”.

Há inumeráveis pessoas que são escravas de vícios, de ressentimentos, de ódios, e até de perturbações psíquicas, que estão atadas em sua dor por um só fio: o rancor.

Perdoar não é esquecer. Tampouco é escusar: aqueles que fizeram o mal conscientemente, fizeram o mal, e não o bem. Tampouco é encontrar explicações: talvez existam, mas nem sempre as conheceremos. Posso entender que se Deus o permitiu é porque me hão de vir, por esses mesmos males, bens ainda maiores. E também posso rezar por essas pessoas, por sua conversão e por sua salvação. “Perdoas a Alessandro?”, perguntou o sacerdote a Maria Goretti, aludindo ao jovem que lhe havia destroçado os intestinos a facadas por haver resistido a pecar com ele; e ela, com seu último alento, respondeu: “Não só o perdoo, senão que rezarei para que ele esteja comigo no céu”.

Se tens que perdoar, perdoa.

REPARA

E talvez tenhas machucado. Porque nossos pecados machucam.

Machucas-te tua esposa e teu filho. Embora não saibam eles de nada da tua vida de pecado. O dano é objetivo, pelo menos porque não têm o esposo nem o pai que necessitam e que merecem. Quanto melhor modelo para teus filhos serias se não te houvesses desgastado com teus pecados? Quanto melhor esposo serias se houvesses forjado teu coração com a virtude da fidelidade? Isso de que privaste tua família é um dano.

Perdeste tempo; talvez muito. E o tempo não se recupera mais.

Feriste a mulheres que olhaste com luxúria e sobretudo aquelas que cortejaste mal e aquelas que foram cúmplices de teu pecado. Ao pagar por ela, permitiste que se vendesse, como se fosse um pedaço de carne ou um bem mercantil. Portanto, humilhaste-a. Jesus a resgatou com seu sangue; tu pediste a ela que se vendesse de novo para te divertires por um momento. Se tu e os demais que fazem o mesmo não estivessem dispostos a pagar por uma pobre desgraçada, não haveria proxenetas dedicados a escravizar mulheres para lucrar com elas. Sim, não te esqueças de que a prostituição é uma das escravidões de nosso tempo, das mais humilhantes e destrutivas. E quem paga por uma meretriz alimenta as máfias que as recrutam e as oprimem. Da pornografia diga-se outro tanto.

Feriste a Igreja de Deus, a tua Pátria e ao mundo inteiro, porque “a alma que se rebaixa pelo pecado rebaixa a Igreja e, de certo modo, o mundo inteiro”, escreveu João Paulo II.

Por isso deves reparar.

Não o digo para afundar tua ferida. Pelo contrário. Na realidade somente quando, na medida que nos é possível, reparamos, se cicatrizam definitivamente nossas feridas. Enquanto não reparares algo permanecerá quebrado em teu coração.

Começa-se a reparar quando se começa a deixar de fazer o mal.

Reparas quando olhas a mulher como olharias a tua mãe e a tua filha, ou seja, com reverência.

Reparas quando fazes penitência de teus pecados.

Reparas quando pedes perdão a quem ofendeste; e se não podes, porque isso acarretaria maiores males, quando rezas e te sacrificas por eles.

FINALMENTE…

Querido Saulo, conforme me pediste, escrevi-te o que me ditou o coração. Sou consciente de que isso não basta para te ajudar; porém pode ser o começo. Agora deves buscar ajuda pessoal e colocar-te nas mãos de quem, semana a semana, e talvez mais de uma vez por semana, vá iluminando sua alma. Mas deves também colocar tudo de tua parte.

Não esperes soluções fáceis. A grandes males, grandes remédios ou ficamos sem remédio. Lamentavelmente quando se obra mal, nem sempre se pode dar soluções cômodas.

Perdoa a dureza de muitos dos termos que usei. Fi-lo para teu bem. Não quero que carregues sobre tua consciência uma família destruída, nem que arrastes à maldição de teu sobre aqueles que todavia amas.

Sei que algumas de minhas palavras podem fazer-te sofrer. Aceito que te enojes comigo se te parecerem excessivas ou se não são as que esperava, porém tenho a esperança de que, pelo menos a longo prazo, minhas palavras amargas preservem tua alma da perdição. Busca ser santo.

E conte com minhas orações.

Um sacerdote

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